Greve do servidor público, STF e mandado de injunção

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público. E, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei n.º 7.783/89), com divergência parcial dos ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que estabeleciam condições para a utilização da lei de greve, considerando a especificidade do setor público, já que anorma foi feita visando o setor privado, e limitavam a decisão às categorias representadas pelos sindicatos requerentes.

A decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep). Os sindicatos buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamavam da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal.

No julgamento do MI 712, proposto pelo Sinjep, votaram com o relator, ministro Eros Grau, – que conheceu do mandado e propôs a aplicação da Lei 7.783 para solucionar, temporariamente, a omissão legislativa ,os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que fizeram as mesmas ressalvas no julgamento dos três mandados de injunção.

Na votação do MI 670, de autoria do Sindpol, o relator originário, Maurício Corrêa (aposentado), foi vencido, porque conheceu do mandado apenas para cientificar a ausência da lei regulamentadora. Prevaleceu o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Novamente, os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio ficaram parcialmente vencidos.

Na votação do Mandado 708, do Sintem, o relator, ministro Gilmar Mendes, determinou também declarar a omissão do Legislativo e aplicar a Lei 7.783, no que couber, sendo acompanhado pelos ministros Cezar Peluso, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Carlos Britto, Carlos Alberto Menezes Direito, Eros Grau e Ellen Gracie, vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio.

Mandado de Injunção e norma regulamentadora

Em seu voto, o ministro Eros Grau assinala: ?No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos?. ?Temos então como indispensável a definição, por esta Corte, das medidas a serem tomadas no sentido de assegurar a continuidade da prestação do serviço público; somente assim poderá ser conferida eficácia ao disposto no art. 37,VII?. ?Isto posto, a norma, na amplitude que a ela deve ser conferida no âmbito do presente mandado de injunção, compreende conjunto integrado pelos artigos 1.º ao 9.º, 14,15 e 17 da Lei n.º 7.783/89, com as alterações necessárias ao atendimento das peculiaridades da greve nos serviços públicos, que introduzo no art. 3.º e seu parágrafo único, no art. 4.º, no parágrafo único do art. 7.º, no art. 9.º e seu parágrafo único e no art. 14?.

Eficácia concretizadora

Ao resumir o tema, o ministro Celso de Mello salientou, em seu voto, que ?não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República?. Também destacou a importância da solução proposta pelos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes. Segundo ele, a forma como esses ministros abordaram o tema ?não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis?. E na conclusão do voto, consignou: ?Por tais razões, Senhora Presidente, peço vênia para acompanhar os doutos votos dos eminentes Ministros Eros Grau (MI 712/PA) e Gilmar Mendes (MI 670/ES), em ordem a viabilizar, desde logo, nos termos e com as ressalvas e temperamentos preconizados por Suas Excelências, o exercício, pelos servidores públicos civis, do direito de greve, até que seja colmatada, pelo Congresso Nacional, a lacuna normativa decorrente da inconstitucional falta de edição da lei especial a que se refere o inciso VII do art.37 da Constituição da República?.

Adaptações na Lei n.º 7.783/89

Aplicável no exercício do direito de greve do servidor público civil, a Lei n.º 7.783/89, foi adaptada pelo STF, pelo voto do ministro Eros Grau, ?compreende conjunto integrado pelos artigos 1.º ao 9.º, 14, 15 e 17 da Lei n.7.783/89, com as alterações necessárias ao atendimento das peculiaridades da greve nos serviços públicos, que introduzo no art. 3.º e seu parágrafo único, no art. 4º, no parágrafo único do art.7.º, no art.9.º e seu parágrafo único e no art. 14?, nos seguintes termos:

?Art. 3.º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação parcial do trabalho. Parágrafo único: A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 72(setenta e duas) horas, da paralisação?. As alterações foram para incluir que (a) a cessação do trabalho terá sempre que ser parcial, não podendo, assim, a greve ser geral da categoria profissional (b) a notificação ao empregador passa de 48 para 72 horas (o mesmo prazo para os serviços essenciais do setor privado).

?Art. 4.º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação parcial da prestação de serviços?. Também, aqui, houve a alteração para a paralisação parcial, não sendo permitida a paralisação geral.

?Art. 7.º (…) Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, exceto na ocorrência da hipótese prevista no art.14?. A alteração redacional excluiu proibição de contratação de trabalhadores substitutos, que passa a ser permitida. No que concerne à rescisão contratual, poderá ocorrer caso haja abuso do direito de greve, nos termos do referido artigo 14.

?Art. 9.º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar a regular continuidade da prestação do serviço público. Parágrafo único. É assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo?. A alteração refere-se à necessidade de que, em qualquer greve, de qualquer categoria profissional, referente a qualquer serviço, realizar-se acordo entre as partes para assegurar a ?regular continuidade da prestação do serviço público?. Assim também é fixado o direito da contratação de trabalhadores substitutos ou empresa prestadora do serviço.

?Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho?. Foi introduzida a expressão ?comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público?, demarcando o STF, ainda mais, a necessidade de que o serviço público continue sendo prestado à população, neste sentido sempre considerado serviço essencial.

Suspensão do contrato de trabalho

Na norma regulamentadora aprovada pelo STF, o artigo 7.º da Lei n.º 7.783/89 foi mantido. Este artigo (a) suspende o contrato de trabalho (b) define que as relações obrigacionais durante o período da greve sejam regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho. Assim sendo, em aplicação similar, a função pública embora mantida, fica suspensa em seu exercício. A relação obrigacional de pagamento dos proventos, ou salários, fica suspensa, pelo que o poder público poderá cortar os vencimentos e somente por via consensual entre as partes em litígio poderão ser pagos.

Competência da Justiça do Trabalho e do MPT?

Permanecerá, por força de liminar em ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 3.395-6, proposta pela Ajufe), a suspensão da competência da Justiça do Trabalho para apreciação das causas dos servidores públicos, quanto ao direito de greve? O art.114 da CF/88 prevê, expressamente, a competência da Justiça do Trabalho para ?processar e julgar (II) as ações que envolvam exercício do direito de greve?. As alterações incluídas na Lei n.º 7.783/89 pelo STF não excluíram a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar medida judicial relativa a greve (art. 8.º). Portanto, as ações decorrentes do exercício do direito de greve não deveriam ser propostas no âmbito da Justiça Federal, mas sim na Justiça do Trabalho, por esta lógica. No mesmo sentido, o Ministério Público do Trabalho teria competência para ajuizar medida relativa à greve no serviço público da administração direta, por ser serviço essencial (art. 114, parágrafo 3.º, CF/88). Entretanto, a matéria comporta interpretação extensiva.

Dificuldades na aplicação e obrigatoriedade

Não serão poucas as dificuldades na aplicação da decisão do STF. A primeira delas refere-se a inexistência de data base da categoria profissional. A segunda, por vezes a inexistência de entidade sindical representativa. A terceira, que não há legislação regulamentadora da negociação coletiva de trabalho no serviço público. A quarta, que muitas definições salariais ou de condições de trabalho dependem de aprovação do Legislativo. Mesmo diante dessas e de outras inúmeras dificuldades de aplicação da decisão do STF, esta é obrigatória não apenas às entidades impetrantes dos mandados de injunção, mas a todas as entidades sindicais representativas dos servidores públicos civis e a estes como categoria profissional.

Importância da decisão do STF

A decisão do STF abre caminho à efetividade do mandado de injunção, na medida em que a Corte Suprema impõe norma regulamentadora, não esperando que o Congresso Nacional cumpra sua obrigação de complementar o texto constitucional com a lei específica. Anteriormente, o posicionamento do STF não dava efetividade imediata à sua decisão. Agora, como acentua o ministro Eros Grau, em seu voto: ?Pois é certo que este Tribunal exercerá, ao formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o art. 37, VII da Constituição, função normativa, porém não legislativa?. ?O Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma. Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisão aplicável à omissão. É inevitável, porém, no caso, seja essa norma tomada como texto normativo que se incorpora ao ordenamento jurídico a ser interpretado/aplicado. Dá-se, aqui, algo semelhante ao que se há de passar com a súmula vinculante, que, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado/aplicado?.

Superada a jurisprudência

Em seu voto, o ministro Celso de Mello esclarece: ?A jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves (RTJ 133/11), fixou-se no sentido de proclamar que a finalidade, a ser alcançada pela via do mandado de injunção, resume-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser meramente comunicada ao órgão estatal inadimplente, para que este promova a integração normativa do dispositivo constitucional invocado como fundamento do direito titularizado pelo impetrante do ?writ?. Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum?.

?Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cumpri-la. Ou de só se cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entende devam ser cumpridos o que é pior… No momento, sob a Constituição que, bem ou mal, está feita, o que nos incumbe, a nós, dirigentes, juízes e intérpretes, é cumpri-la?. ?Não cumprir é estrangulá-la ao nascer? (Pontes de Miranda, ?Comentários à Constituição de 1967 com a emenda n.º 1, de 1969?, tomo I/15-16, 2.ª ed. 1970, RT)

Edésio Passos é advogado, deputado federal, Legislatura  91/94. Assessor de entidades sindicais de trabalhadores. Integrante do corpo técnico do DIAP.
E-mail: edesiopassos@terra.com.br

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