Roque Santeiro chegou a alcançar 100 pontos no Ibope

A novela Roque Santeiro, exibida pela Globo em 1985, é daquelas que não envelhecem nunca. A sátira política, a denúncia social e o misticismo religioso – elementos recorrentes na obra do dramaturgo Dias Gomes – fizeram dela uma das mais importantes da teledramaturgia nacional nesses 40 anos de novelas diárias do País. Não por acaso, o último capítulo de Roque Santeiro chegou a alcançar 100 pontos no Ibope, audiência pouquíssimas vezes registrada na tevê brasileira.

Da última vez que foi ao ar, em 2000, no “Vale a Pena Ver de Novo”, em comemoração aos 50 anos da tevê brasileira e aos 35 da própria Globo, a saga do herói milagreiro manteve a boa audiência, com média de 17 pontos e picos de 20, índice considerado ótimo para o horário vespertino. O ator José Wilker, que interpretou o protagonista, tenta explicar o sucesso da novela. “A equipe era muito boa, divertida. Muito do sucesso da novela se deve a esse ?backstage?. Todo mundo ali gostava muito do que estava fazendo”, garante ele.

A trama de Roque Santeiro começa quando o coroinha Luís Roque aparentemente tomba morto ao defender a cidade do bandido Navalhada. Logo, a população de Asa Branca ergue uma estátua em homenagem ao herói e passa a lhe atribuir milagres. Quando Roque reaparece, as autoridades locais se dividem entre os que defendem a verdade e os que querem manter a farsa. Entre os que não gostam da volta do “ilustre defunto” está Sinhozinho Malta, vivido por Lima Duarte, que vê ameaçado seu romance com a pretensa “viúva” Porcina, interpretada por Regina Duarte, que se tornou viúva sem jamais ter se casado com o suposto mártir da cidade. “Sei que sempre fui uma pessoa incômoda. Incômoda para os detentores do poder, temerosos de qualquer questionamento, e incômoda para os que me pagam para divertir o povo, qual bobo da corte, e não para suscitar polêmicas desagradáveis”, declarou Dias, na autobiografia Apenas um Subversivo.

A novela Roque Santeiro, na verdade, foi escrita em 1975, a partir da peça teatral O Berço do Herói, de autoria do próprio Dias Gomes. Na ocasião, a novela foi censurada pelo então Ministro da Justiça, Armando Falcão, que alegou “desvirtuamento dos valores éticos e morais da sociedade brasileira”. No dia 27 de agosto de 1975, Roque Santeiro não estreou. Em seu lugar, a Globo exibiu um compacto de Selva de Pedra, de Janete Clair. No “Jornal Nacional” daquela noite, o locutor Cid Moreira leu um editorial assinado pelo presidente da Rede Globo, Roberto Marinho, anunciando o veto.

Em 1985, em comemoração aos 20 anos da Globo, o então todo-poderoso da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, aproveitou a Nova República para produzir uma versão atualizada de Roque Santeiro. Os atores Francisco Cuoco e Betty Faria, escalados inicialmente para protagonizar a novela, não puderam aceitar o convite e cederam o lugar para José Wilker e Regina Duarte.

Dias Gomes, afiada criatividade

Roque Santeiro, Sinhozinho Malta e Viúva Porcina são apenas alguns dos muitos personagens criados por Alfredo Dias Gomes. Na vasta galeria do autor, constam também Zé do Burro, de O Pagador de Promessas, Odorico Paraguaçu, de O Bem-Amado, e João Gibão, de Saramandaia. Em plena ditadura, Dias recorria ao humor para irritar e ludibriar o poder. Criava tipos incomuns para representar o homem comum. Visionário, não perdia uma oportunidade sequer para antecipar temas sociais, como a reforma agrária em Verão Vermelho, de 1970, a ecologia em Sinal de Alerta, de 78, e a indústria religiosa em Roque Santeiro, de 85. “Certa vez, um censor confessou que lia meus diálogos três vezes e humildemente revelou que eu era perigoso porque ele não entendia da primeira vez o sentido da cena”, costumava contar.

Em Roque Santeiro, Dias abordou a divisão da Igreja Católica entre tradicionalistas e adeptos da Teologia da Libertação, através do contraponto entre os padres Hipólito e Albano, personagens de Paulo Gracindo e Cláudio Cavalcanti, e o modelo de coronelismo que vigora no interior do país, onde, muitas vezes, grandes latifundiários, como Sinhozinho Malta, manipulam as autoridades, como o prefeito Florindo Abelha, interpretado por Ary Fontoura. Entre outros personagens de destaque estão a sofrida Lulu, papel de Cássia Kiss, que vivia oprimida pelo marido Zé das Medalhas, interpretado por Armando Bogus, e Matilde, dona da boate Sexus, vivida por Yoná Magalhães, com as insinuantes dançarinas Ninon e Rosaly, de Cláudia Raia e Ísis de Oliveira.

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